Sobre o valor da arte

Ontem tive uma conversa com a Thais Ueda em que a gente se pegou novamente no mesmo assunto da valorização do trabalho do artista. Gosto muito deste assunto porque é de uma complexidade imensa que pega em matérias como o sistema econômico e político em que vivemos. A arte está diretamente ligada a economia de uma maneira tão estranha que parece muito distante. Vou escrever rápido as ideias de que me lembro e depois passo para corrigir o que aconteceu aqui.

Uma das maiores alavancas do sistema capitalista é a especulação. A especulação faz o poder de um grupo influenciar no valor que as coisas tem. Esta influência pode muito bem ser proposital, mas por causa do tamanho do sistema existe uma abstração que toca o humor do mercado que é alimentada pela esperança. Esperar que a situação vá melhorar ou piorar. Esperar no sentido de imaginar com fé, não de ficar passivo aguardando – ter esperança. Esta esperança é alimentada por informações que podem ser muito racionais ou muito passionais. Não ir com a cara de um presidente faz com que se deixe de investir na empresa. Se considerarmos que uma determinada quantidade de dinheiro que se tem para investir é a mesma para um cenário que se diz favorável ou desfavorável, o que dita o empenho em gastar este dinheiro é a criação imaginativa do cenário do futuro. E este cenário pode estar dentro de um campo de possibilidades, mas quem une as informações e imagina este futuro trabalha com a criatividade. Ora, o que mais alimenta a criatividade do que a arte?

Graças a arte já vimos o mundo acabar, os carros voadores, empresas quebrarem, os alienígenas matarem todo mundo. A arte fez Jesus ser um rapagão de olhos azuis e cabelos compridos, fez o céu ser um reino, fez o inferno ser ruim – criou o céu e o inferno. As informações que chegam a todos os especuladores podem vir recheadas de gráficos e contas muito racionais, mas quem vai criar o que será o futuro é a criatividade junto com a fé. E o que aglutina tudo isso são as histórias de possibilidades: filmes, teatros, imagens, textos, danças, novelas. A arte denuncia a realidade, a fomenta e a retrata.

Outro ponto da conversa com a Thais foi a exploração do valor do artista. No sentido de que pessoas pagam para serem consideradas artistas. Pagam por excursões para expor em Veneza. Pagam para poder participar de salões. Ela falou de um caso em que os artistas poderiam expor no Louvre. E eu lembrei da galerista que me chamou para participar da galeria dela. Ela organizaria exposições periodicamente e faria a propaganda do meu trabalho. Eu contribuiria com uma quantia mensal. Nem achei tão injusto, já que organizar exposições e fazer propaganda são realmente trabalhos dignos de pagamento…


Na semana passada fui em uma conversa com Lino Divas sobre o trabalho do artista. Lino é um artista argentino que veio para uma residência na FAAP e que junto com sua produção artística também pensa na questão do trabalho. Me identifiquei bastante com suas ideias. Ele está bem desenvolvido em sua luta pela valorização do trabalho do artista.

A conversa com Lino foi mediada por Gustavo Torrezan. Tenho Gustavo como um contato há bastante tempo, mas nunca havia falado com ele pessoalmente – e na hora não o reconheci. Isso mostra o afastamento dos artistas.

Lino tem um grupo chamado F.D.A.C.M.A. que discute e luta pelos direitos dos artistas terem dignidade em seus trabalhos. Ele deixou uma apresentação que espero que continue online por bastante tempo falando, resumidamente, que a melhor maneira dos artistas conseguirem direitos e melhores condições de trabalho seria se organizando em grupos, se juntando. E deu exemplo de vários grupos pelo mundo.

O clima do encontro foi meio cansativo porque discutimos por algum tempo os mesmos problemas que sempre afetaram a vida dos artistas. Logo de cara fomos provocados com a pergunta “o artista trabalha?”. Eu sabia que existia ali um desejo por uma resposta positiva, mas fui o primeiro a falar e levantei a polêmica dizendo que não. Já havia pensado nesta questão mas na hora não consegui me colocar direito. Hoje mesmo (17/12/2018) me peguei tentando entrar em contato com o Lino para comunicar a conclusão que eu chegara ontem – e que me fez baixar um aplicativo de notas em áudio que está prometendo me ser muito útil. Vamos ao meu raciocínio:

O conceito de trabalho está muito mais ligado ao vínculo com determinada instituição e estética do que a produção de alguma coisa. Você é considerado trabalhador se pertence a uma empresa, se cumpre com horários e deveres solicitados por esta empresa, se adequa seu comportamento de acordo com esta empresa. E depois recebe por isso. Ora, o artista tenta fazer justamente o contrário. Ele é um agente de criação de estética – não se vincula a uma instituição e veste a camisa que o torna manso. Quando o artista é solicitado a se submeter a uma estética para criar um novo produto, ele está corrompendo sua criação. O sistema de trabalho normal está tentando corromper o tempo e a estética do artista.

Embora tenhamos sido levados a chegar a uma conclusão, no final nos dispersamos e ficou isso por isso mesmo. Depois até tentei entrar em contato com o Torrezan para ver se conseguia falar com as outras pessoas do grupo mas ele não me respondeu.

Realmente, isso de se encontrar em uma turma de artistas que fazem um trabalho semelhante ajuda a ir além. Isso é válido e concluído desde há muito no teatro e em outras artes e talvez por isso o artista plástico seja tão melindrado: trabalha sozinho. Precisamos nos unir!

Autor: xto

Sou uma pessoa importante para os que me conhecem e consideram.