Acho que eu tive o melhor AVC do mundo.
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Laudo Leigo
Enquanto não havia operado meu coração minha vida era boa e perigosa. Depois que operei, minha vida passou a ser ruim e perigosa.
Antes de operar minha válvula mitral era um pedacinho de carne calcificada e perfurada que não fazia corretamente sua função e poderia soltar pedaços em minha corrente sanguínea a qualquer momento. Mas eu não sentia nenhum cansaço excessivo e nem tomava nenhum remédio. Também não tinha nenhuma cicatriz horrível tomando o peito todo.
Agora que fiz a troca da válvula e tive uma complicação na operação que me levou a ter um AVC leve, preciso me encher de remédios, tenho uma cicatriz imensa no tórax e ando com medo me acompanhando sempre porque a qualquer momento posso ter alguma complicação do meu AVC.
Acho que no final das contas não tive um ganho muito bom…
Operei o Coração
Foi no dia 5 de Jullho. Internei no hospital HCor às 5h da manhã e a operação começou por volta das 8h30. Antes de ir ao cti fiquei no quarto me preparando: tive o peito e o pulso depilados e passei por um banho com produtos específicos de higienização pré cirurgia.
A cirurgia durou cerca de 7 horas, até umas 15h30, quando foi considerada encerrada. O processo de extubação que normalmente demora uns 20 minutos no meu caso demorou umas 3 horas: eu estava muito agitado e nervoso assim que a cirurgia terminou. E mais algum comportamento fez a equipe solicitar exames neurológicos: eu estava olhando sempre para o lado direito e estava com os membros superiores do lado esquerdo meio parados. No exame detectaram que houve um AVC – meu cérebro estava com algumas vias obstruídas por pequenas massas que provavelmente circularam na minha corrente durante o acionamento da máquina de circulação extra-corpórea. Estas minúsculas massas ou bolhas provavelmente estavam grudadas em minha válvula antiga, tanto que podem ser partículas de cálcio.
Quando fui informado de que tinha sido vítima de um AVC fiquei muito preocupado com minha situação. Fiquei com medo de ficar com parte de minha mobilidade ou de minha capacidade intelectual comprometida. Exames posteriores foram mostrando que não acontecera isto. Com alguma fisioterapia e com o tempo passando eu voltaria a ter minhas capacidades restauradas. Mas enquanto eu estava no ambiente do hospital, tive muita dor, remédios e alucinações. Via gatos andando pelo ambiente da UTI. Via códigos indecifráveis projetados nas paredes e cortinas. Via pessoas deformadas em forma de bonecos para onde eu olhava. Via pessoas atravessando paredes. Uma noite sonhei que a equipe de enfermagem havia me levado para um bar para me dar uns remédios.
No dia 10 de julho fui liberado para subir para o quarto. Ainda almocei antes de ir. Minha família veio me auxiliar mas eu fui levado por uma enfermeira, a Gislene. Eu estava segurando um pouco minhas fezes e minha urina porque queria fazer só no quarto, e não na fralda que estava usando. Foi um grande alívio poder fazer isso! Já estava sendo atendido pelas profissionais de fisioterapia que me levavam para dar uma volta ao redor da cama e pelo corredor da UTI. Era complicado porque eu estava com drenos e eletrodos ligados ao meu corpo. Estes drenos foram retirados no sábado mas demoraram para me liberar da UTI por causa de dúvidas quanto a minha situação neurológica. Finalmente na segunda-feira surgiu uma vaga em um dos quartos (estavam todos ocupados) e fizeram um último teste neurológico comigo no ambiente da UTI. Aí me consideraram apto a subir aos aposentos.
Estou com sequelas leves de um AVC causado pelo uso do equipamento de circulação extra-corpórea. Estou anêmico, também. Não estou conseguindo ler direito. Escrever já está quase bom. Dormir está bem difícil já que só é permitido dormir de costas.
Na primeira imagem dá pra ver como a válvula não se fechava bem. Isso fazia com que o sangue venoso e o sangue arterial se misturavam. Ao auscultar meu coração, o que se ouvia era o efeito chamado sopro. Em vez do coração fazer o barulho das válvulas fechando, o famoso tum-tum, ele fazia um vush-vush.
Teoricamente era para eu me sentir mais cansado já que o sangue arterial, rico em oxigénio, se misturava com o venoso, rico em gás canônico. Mas eu não sentia esse cansaço a mais. Por isso demorei mais a fazer a cirurgia. Conseguia percorrer distâncias consideráveis de bicicleta ou nadando.
Agora estou bem curioso para experimentar a nova versão de mim, com válvula nova.